O novo Ashram minimalista

sábado, 28 de julho de 2007

O Ashram em livro: reflexoes a proposito de uma gentileza do Reprobo

Agradeço a gentileza do Confrade Réprobo, que queria ver o Ashram vertido para livro, mas pode imaginar que nada estaria mais longe dos propósitos desta austeridade anti-glorificadora que se consome na espuma dos dias.
Mais a sério, entendo que os blogues não dão para livros, nem os mais talentosos. Se algum é feito ou mantido com esse escopo, nota-se: começa a espelhar uma certa solenidade e uma certa monotonia temática, como se quisesse alinhavar capítulos, e o leitor, volátil e episódico, cansa-se (há tanta coisa de qualidade, divertida, colorida, a disputar a atenção que não é sustentável prosseguir-se, neste meio, com essa demanda perseverante).
Já escrevi vários livros, e sei bem que o registo é necessariamente muito diferente, envolve uma dolorosa monomania e um diálogo interior e sombrio (fotofóbico?) que explica a coesão com que, num rompante final, a obra surge acabada (as «minas» de que fala a Consoror Charlotte, finda a travessia das quais o livro aporta às margens da luz, na expressão antiquíssima de Lucrécio).
Aqui o propósito é diferente, é frívolo a maior parte das vezes, é vagamente dialogante, é descontraído, não procura a coerência por si mesma nem a congruência inter-temporal, nem um curso demonstrativo ou narrativo que sirva de alicerce a uma consumação artística ou intelectual.
Quem quer passar de um blogue para um livro fá-lo-á porventura por narcisismo, porventura por inexperiência autoral. Mas fá-lo decerto pela velha, mas sempre renovada, «falácia romântica» que presume que há criatividade na ostentação do pequeno amontoado que é a nossa subjectividade, medindo-se o valor de um livro apenas pela espontaneidade – e até, se possível, pela falta de artifício – com que se partilha essa «verdade interior».
Isso reservo-o aqui para o Ashram, é certo, mas não parto daí para julgar que haja, nem remotamente, matéria-prima publicável, preso que estou ainda de um cânone pré-romântico que insiste, muito severamente, que a subjectividade do artista não deve ser o objecto da sua própria arte. O Ashram fala obliquamente de mim, com a ironia e ligeireza a que me habituei a falar de mim; nunca deixaria que um livro o fizesse.

1 comentário:

O Réprobo disse...

Caríssimo Jans,
quer pelo sim, quer pelo não, fez-me lembrar David Hume: reduziu a sua (dele) vida a dez páginas não isentas de ironia - ou humour,já que a si tomava como objecto da prosa. Mas deixou escrito no testamento que fazia questão de que essas folhas integrassem a edição das obras.
Continue a falar-nos de Si e do resto como até agora. Quem for refractário ao conformismo pode sempre fazer um print e encaderná-lo.
Abraço

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