O novo Ashram minimalista

sexta-feira, 22 de abril de 2011

És grande, ó professor em duas universidades!!!


Deliciei-me a ler o manifesto de um catedrático das berças que faz malas para vir a Lisboa servir como deputado. De contrição à cabeça, jurando resistir às tentações desta Babel moura, o homem cobre-se daquele ridículo involuntário de que só são capazes as almas semi-virgens (eu sei, uma impossibilidade).
Proclama-se importante, em alusão indesejada às «forças vivas» de que se alimenta(va) o caciquismo provinciano. Ostenta tudo o que tem a perder e o sacrifício missionário que o move, em referência inconsciente ao «mandato indeclinável» com que as «forças vivas» soíam descer, e descem ainda, à (ou sobre a) Capital.
Falta porventura apenas realçar um pouco melhor as ideias de vocação (assim um chamamento à Joana D'Arc) e de desígnio patriótico, noções que decerto lhe mereceriam despedidas ainda mais lancinantes à partida do Foguete para Lisboa, numa tarde de nevoeiro, no cais de Campanhã.
Lá no ermo de que jorrou, entre arroubos patrióticos, este novel e levantadote deputado, as gentes acabrunhadas já o imaginam em tardes de oratória a reviver o Porto Pireu garrettiano; quando o virem a alçar e baixar o rabo em votações de rebanho, lá sublinharão o quão prudente foi na assimilação da disciplina de voto; quando o virem a dar o dito por não dito, enlevar-se-ão com o «sentido político», com a argúcia florentina; hão-de sonhá-lo a ministro, de qualquer coisinha que seja, e as cartas de empenhos das gentes do ermo acumular-se-ão à espera desse momento; já o imaginam regressado em glória e com uma comenda, nédio e opinativo, importante – mais importante ainda.
As funestas gentes do reviralho lá sugerirão que ele se vendeu ao governo, que ele engordou no negócio da cidade, que ele se perdeu na dissipação e no vício da batota e das brasileiras, e que assim o comendador que regressar um dia não mais será o impoluto filho da terra.
Inveja, pura inveja, a habitual cabala da mediocridade contra aqueles que, com sacrifício da sua própria grandeza, fazem as malas e embarcam numa grandeza muito superior, a do sacrifício de serem deputados da nação em Lisboa. Um dia haverá, lá nas berças, um fontanário a comemorar a magnificência do gesto; e isso sempre bastou, e basta, para tudo redimir.

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